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Celso Furtado - A Formação Cultural do Brasil

  • Ana Prado
  • 10 de nov. de 2016
  • 4 min de leitura

Parte I

Recentemente assisti o filme - O Longo Amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado - https://www.youtube.com/watch?v=KCtQoithCqU e achei um filme de importante contribuição para o atual cenário político brasileiro, que resolvi analisar algumas idéias desenvolvidas por ele e compartilhar com vocês leitores.


Neste texto que chamo de Parte I, fiz um pequeno resumo do capítulo Formação Cultural do Brasil, o qual faz parte do livro "O Longo Amanhecer (1999). Acho que revisitar o pensamento de Celso Furtado neste momento é extremamente importante para o entendimento do processo de desenvolvimento do Brasil e principalmente para se compreender as questões que estão em jogo neste cenário pós impeachment.


Celso Furtado foi um historiador e economista, pensador e escritor de vários livros entre eles Desenvolvimento e Subdesenvolvimento no Brasil. Sua história se confunde com a história política do Brasil. Participou de vários governos antes da ditadura e desenvolveu um pensamento crítico e lúcido sobre o Brasil e em especial sobre o nordeste. Ele traçou políticas de desenvolvimento para esta região e também presidiu a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). Seus textos e seu pensamento são extremamente atuais e não é a toa que o ex presidente Lula propôs em 2004 a criação do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.


Não sou uma conhecedora profunda do trabalho do Celso Furtado, mas quando jovem ainda na faculdade tive acesso ao pensamento dele e a importância das suas idéias, já que naquele momento estávamos em plena ditadura. Fazia parte da literatura de quem era contra o golpe, o pensamento e livros de Celso Furtado porque ele tinha uma profunda clareza dos problemas de desenvolvimento do país. Ele diz que a America Latina na sua formação histórica é marcada pela distribuição de poder, e esse poder nunca foi desconcentrado, foi sempre concentrado na mão de minorias. As elites querem ter um padrão de consumo semelhante aos países mais ricos, mas a renda per capta desses países é dez vezes maior que a do Brasil.


Em seu livro "O Longo amanhecer"(1999) ele relata que o modelo econômico adotado no Brasil de articulação entre Estado e grupos mercantis, remonta a história européia, cujos governos monárquicos dependia da classe mercantil para expansão comercial e que culminou com a criação das companhias de comércio e navegação. Este modelo de articulação segundo Furtado está presente na ocupação e defesa nas terras americanas, o que levou a ampliação do patrimônio português, mesmo em detrimento dos altos custos em defesa das vastas áreas áreas sem perspectiva da valia econômica. Além disto ele também afirma que a gênese do ser cultural brasileiro é que os portugueses além de serem dominadores, mantiveram suas matrizes culturais[1]:


Outra referência que ajuda a captar a gênese do ser cultural brasileiro é que os portugueses não foram apenas os dominadores mas também o único segmento da população que se manteve em contato com suas matrizes culturais, dela se realimentando. Em todo o período colonial os portugueses foram uma minoria em face da presença indígena, e mais ainda da africana que logo começou a fluir como força de trabalho. Mas o peso da minoria portuguesa na formação do que viria a ser a cultura brasileira é decisivo. Não apenas porque são senhores confrontando-se com escravos ou semi-escravos, mas também porque os portugueses partiram de um domínio de técnicas superiores e continuaram a alimentar-se de fontes culturais europeias. Ora, os aborígines, assim como os africanos, foram isolados de suas matrizes culturais e, ao serem progressivamente privados da própria língua, perderam a identidade cultural.


É importante frisar que durante os três séculos do período colonial, gerou-se no Brasil além dos padrões culturais portugueses, um estilo cultural que incorporou não apenas motivos locais, mas também vários valores culturais de povos dominantes. O Brasil nesta época era dominado pelas empresas agro industriais voltadas para exportação, totalmente articulados por agentes metropolitanos, que impediram o surgimento de uma classe comerciante voltada para temas específicos do nosso país. Assim, ainda segundo Furtado a matriz cultural portuguesa se mantém graças a estabilidade do sistema de dominação social latifundiário - burocrático, ou seja na ausência de uma classe mercantil poderosa, a dependência da Coroa e da Igreja era o que dominava. É bom lembrar que enquanto no Brasil florescia o barroco (estilo já ultrapassado pelo Europa no Pré - Renascimento) na Europa florescia o Romantismo e ao mesmo tempo um rápido desenvolvimento tecnológico.


O período da Revolução Industrial abre espaço para uma crescente produtividade do trabalho e crescimento dos excedentes, o que levou a diversificar o padrão de consumo. Mas o Brasil com um padrão de imitação do que vinha da Europa, mas longe dos processos criativos de visão de mundo que vinha do Romantismo, abre espaço para um distanciamento cada vez maior entre as elites e o povo, fato que irá marcar significativamente o nosso quadro cultural entendido assim como progresso.


As elites brasileiras cada vez mais voltam-se para os centros de cultura européia, atribuindo pouco valor ao povo[2].


O povo era reduzido a uma referência negativa, símbolo do atraso, atribuindo-se significado nulo à sua herança cultural não-européia e negando-se valia à sua criatividade artística.


Neste quadro, ainda segundo Furtado o povo desprezado pelas elites, a cultura popular se desenvolve com um certa autonomia frente a cultura das classes dominantes. Com a urbanização a presença do povo fica mais visível e com uma criatividade muito evidente. Ele afirma que com a ascensão da classe média começa a existir uma penetração e envolvimento, marcando o fim do isolamento cultural do povo. Mas esta emergência cria áreas de conflitos com características críticas a forte descaracterização cultural que acompanha este processo[3].


O processo de globalização da cultura tende a acelerar-se. Ao mesmo tempo, todos os povos aspiram a ter acesso ao patrimônio comum da humanidade, o qual se enriquece permanentemente. Resta saber quais são os povos que continuarão a contribuir para esse enriquecimento e quais aqueles que serão relegados ao papel passivo de simples consumidores de bens culturais adquiridos nos mercados. Ter ou não ter acesso à criatividade, eis a questão.

Continua ...........

[1] Furtado, Celso. O longo Amanhecer, 1999, pag 60.

[2] Idem, pag 64

[3] Idem, pag 67

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