Sabe-se lá das coisas ...
- Ana Prado
- 13 de out. de 2016
- 3 min de leitura

Psicanálise tem dessas coisas, chega o momento em que o diálogo segue o caminho da escrita. Então certo dia levei uma crônica que escrevi para compartilhar com a minha psicanalista, pois fiquei muito entusiasmada com o texto. "Ratos de Clarice" foi o nome que lancei de imediato, porque me lembrou muito um lindo texto de Clarice Lispector - "Perdoando Deus". Logo que cheguei ao nosso encontro pedi para ler e ela concordou. Para mim este texto é um marco entre os demais que tenho escrito ultimamente, ele surgiu de uma situação hilária, ou no mínimo constrangedora que passei quando fui dormir na casa da minha sogra na semana passada que se encontrava em recuperação após uma cirurgia no joelho.
O interessante neste fato é que os acontecimentos deste dia me proporcionaram um mal estar que não soube ver com outros olhos a situação do momento, apesar de me manter tranquila tiveram diversos impulsos de irritação. Transcorrida a noite que evoluiu entre eu, Açucena e a técnica de enfermagem, somente no dia seguinte na parte da tarde pude perceber que a situação que antes era trágica, na verdade era mais hilária do que eu pensava.
Há muito venho em nossas conversas elaborando pensamentos sobre as várias emoções que constituem meu ser, dentre elas a convivência com o que é diferente. Sempre tive dificuldade de conviver com aquilo que me causa estranhamento. Perceber outras possibilidades naquilo que se apresenta de forma abrupta, ou seja de surpresa e que não tenho controle tem sido meu desafio. Ela citou que Lacan tinha um seguinte pensamento - eu sou onde não penso e penso onde não sou.
Parece que esta frase nos coloca uma questão que é, quando estamos naquele lugar onde menos esperávamos é onde de fato existe a possibilidade de sermos algo. De fato o texto foi escrito em menos de vinte quatro horas e não esperava transformar aqueles acontecimentos em algo que olhando de fora nada mais era do que apenas um crônica do dia a dia, que precisa ao invés de ser remoída internamente ser compartilhada com o outro. Aliás foi quando ao ler em voz alta para ela que pude ouvir aquilo que escrevi e ri muito.
Por trás de tudo isso, do lugar menos esperado e na vontade de compartilhar que me levou a perceber que tudo pode ser transmutado, basta observar mais cuidadosamente os acontecimentos e articula-los sob outra ótica. Parece simples, mas levei muito tempo para sair de um estado mental intelectual para um estado de ação efetiva, onde estas questões pudessem ser traduzidas em algo visível ao meu entendimento.
Comecei a perceber que o discernimento das situações são a chave deste processo. É como ir descortinando camadas nunca antes acessadas, que vai trazendo uma luz que na verdade já existia dentro de mim. São vários os motivos desta escuridão, mas com determinação e desejo profundo de sair daquele lugar obscuro, calmamente uma por uma daquelas camadas vão sendo descobertas e a luz, a clareza, a possibilidade de transformação e a real concretização do conhecimento se manifesta.
Escrever foi o caminho, foi onde encontrei a porta mágica que me permitiu ir a qualquer lugar, ela abre e fecha quando quero, não que eu tenha controle total, mas de alguma maneira ela pode abrir e fechar de maneira consciente apontando em determinada direção com menos medo do que esteja por vir.
Além do mais quantas histórias maravilhosas acontecem no dia a dia e que com um pouco mais de observação podem ser oferecidas ao leitor, não apenas como entretenimento, mas com possibilidades de ser onde não penso.
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